Não é suposto trabalharmos hoje. É certo dizer isto?
2005-12-20, E.,
Não há motivo para considerar incorrecta a expressão apresentada.
A estrutura da frase Não é suposto trabalharmos hoje pode ser descrita de duas formas: como uma estrutura passiva ou como uma estrutura predicativa.
O verbo
supor selecciona complementos directos não introduzidos por preposição,
que podem ser um grupo nominal (ex.: ele não supôs uma tragédia, mas
aconteceu), uma oração completiva integrante (ex.: suponho que
trabalhamos hoje) ou uma oração infinitiva (ex.: suponho
trabalharmos hoje). Por ser transitivo directo, este verbo admite a voz
passiva e a construção é suposto, numa frase como a apontada, pode
corresponder a esta estrutura, sendo o sujeito da frase a oração infinitiva
trabalharmos hoje, não havendo um agente da passiva expresso (trabalharmos
hoje não é suposto [por alguém – agente da passiva]). As frases na
voz passiva são geralmente equivalentes do ponto de vista semântico às da voz
activa. No entanto, como se pode verificar pelos exemplos (ex.: uma tragédia
foi suposta por eleé suposto [por mim] que trabalhemos hoje; é suposto
[por mim] trabalharmos hoje), há, à excepção do primeiro exemplo, uma
alteração semântica significativa entre os dois grupos de frases, pois o verbo
supor na voz activa pode ser sinónimo de considerar, pensar ou
julgar (ex.: suponho [=penso] que trabalhamos hoje), enquanto a
construção ser suposto implica algo que é esperado ou devido (ex.: é
suposto [=é esperado] que trabalhemos hoje). Por este motivo, pode
entender-se que não se trata da voz passiva do verbo supor, mas de uma
construção com um verbo predicativo (é, forma do verbo ser), em
que a oração infinitiva corresponde ao sujeito e o adjectivo
suposto ao predicativo do sujeito, à semelhança de outras estruturas
análogas com outros adjectivos (é provável não trabalharmos hoje; é normal
não trabalharmos hoje). Esta última hipótese é considerada a descrição mais
correcta para este tipo de estruturas por João PERES e Telmo MÓIA em Áreas
Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, cap. 4, especialmente pp.
262-266), obra onde estas estruturas são analisadas e problematizadas.
Considerando as duas hipóteses acima apontadas (uma construção
passiva ou uma construção predicativa), não há motivo para considerar incorrecta
a estrutura apresentada. Alguns autores indicam que esta construção é
desaconselhada ou mesmo inaceitável por considerarem que se trata de decalque do
inglês, mas não parece haver justificação plausível para tal indicação, pois
trata-se de uma estrutura regular em português.
Como decalques do inglês podem ser considerados os fenómenos de deslocamento do
sujeito da oração infinitiva para sujeito da oração principal (ex.: nós somos
supostos não trabalhar hoje ou nós somos supostos não trabalharmos hoje),
muito frequentes na língua inglesa (ex.: we are not supposed to work today),
mas que correspondem a construções pouco regulares em português.
2005-12-20
Helena Figueira