FLiP – Ferramentas para a Língua Portuguesa

Tendo em conta as duas grafias do nome do escritor Eça de Queiroz/Queirós, e sendo certo que a original é a primeira, com z e sem acento, o adjectivo queiroziano, assim grafado, poder-se-ia considerar incorrecto?
Não vejo porquê, apesar de só se encontrar, em vários dicionários,
queirosiano
como derivado de uma actualização (indevida porque
desnecessária) do supracitado escritor…

2006-01-18, R. G. G.,

A ortografia do português, como a ortografia de qualquer
língua, é um conjunto de regras convencionadas e artificiais que procuram reflectir o sistema fonológico e morfológico da língua, em muitos casos com invocação de motivos etimológicos, desconhecidos da maioria dos utilizadores da língua. A ortografia portuguesa só começou a ter alguma estabilidade a partir do
final do séc. XIX, com o início das reformas ortográficas. A instabilidade anterior a esta altura poderá facilmente ser verificada em textos antigos, em dicionários etimológicos ou em dicionários com formas históricas, como o Dicionário Houaiss (edição brasileira da Editora Objetiva, 2001; edição portuguesa do Círculo de Leitores, 2002). Por este motivo, é possível encontrar casos, até no séc. XX, de grafias que nos parecerão muito estranhas, atendendo à
ortografia actual, fixada sobretudo a partir da década de 40 do séc. XX, com o

Acordo Ortográfico de 1945
, para o português europeu e com o

Formulário Ortográfico de 1943
,
para o português do Brasil.

O caso do antropónimo Queiroz/Queirós é um exemplo de tentativa de uniformização
ortográfica através da base V do Acordo Ortográfico de 1945, onde se pode ler: “Dada a homofonia
existente entre certas consoantes, torna-se necessário diferençar os seus
empregos gráficos, que fundamentalmente se regulam pela etimologia e pela
história das palavras. É certo que a variedade das condições em que se fixam na
escrita as consoantes homófonas nem sempre permite fácil diferenciação de todos
os casos em que se deve empregar uma consoante e daqueles em que, diversamente,
se deve empregar outra, ou outras, do mesmo som; mas é indispensável, apesar
disso, ter presente a noção teórica dos vários tipos de consoantes homófonas e
fixar praticamente, até onde for possível, os seus usos gráficos, que nos casos
especiais ou dificultosos a prática do Idioma e a consulta do vocabulário ou do
dicionário irão ensinando. […] 5.° Distinção entre s final de palavra e
x e z idênticos: aguarrás, aliás, anis, após, atrás, através,
Avis, Brás, Dinis, Garcês, gás, Gerês, Inês, íris, Jesus, jus, lápis, Luís,
país, português, Queirós, quis, retrós, resvés, revés, Tomás,
Valdês
[…].”

Este antropónimo tem origem, segundo o Dicionário Onomástico
Etimológico da Língua Portuguesa
de José Pedro Machado (Lisboa, Livros
Horizonte, 2003), no topónimo Queirós (nas regiões de Barcelos, Lisboa,
Seia e Torres Novas), que por sua vez derivará do substantivo comum

queiró
. A forma Queirós, além de referida no texto do Acordo
Ortográfico, está também atestada em várias obras de referência para a língua
portuguesa da norma europeia, nomeadamente no Vocabulário da Língua
Portuguesa
de Rebelo GONÇALVES (Coimbra, Coimbra Editora, 1966) e no
Grande Vocabulário da Língua Portuguesa
de José Pedro MACHADO (Lisboa,
Âncora Editora, 2001), sendo que nenhuma delas atesta a forma Queiroz.

Refira-se adicionalmente que o intervalo de vida de Eça de Queirós (1845-1900) é
anterior aos principais movimentos reformistas da ortografia, que procuraram e
procuram maior uniformidade na aplicação de regras (a este respeito, é muito
interessante a consulta de A Demanda da Ortografia Portuguesa, de Ivo
CASTRO, Inês DUARTE e Isabel LEIRIA [Lisboa: Ed. João Sá da Costa, 1987]).

Neste
caso, e em muitos outros de antropónimos registados antes do acordo de 1945, é
possível o uso de ortografias divergentes daquelas preconizadas pelo acordo,
pois este prevê, na sua base L, que se possa conservar a “grafia de nomes próprios
adoptada pelos seus possuidores nas respectivas assinaturas”, assim como de
“firmas comerciais, sociedades, marcas e títulos”. Se isto se pode aplicar a
Queiroz
e a outros nomes próprios, não poderá, porém, aplicar-se aos seus
derivados, que deverão respeitar as regras da ortografia em vigor. Por este
motivo, as formas aconselhadas dos derivados deverão grafar-se com s (ex.

queirosiano
,
queirosianismo
,
queirosianista
), tal como poderá constatar
em dicionários de língua portuguesa.


O
Acordo Ortográfico de 1990
não altera nada a este respeito.

2006-01-18

Helena Figueira

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