Para meu total espanto venho a verificar que termos
ingleses como download, link, email, site estão incluídos no dicionário
português da Priberam, como é que é possível que isto aconteça, quando estes
termos têm logo tradução directa? Mas ainda mais inverosímil é como é que vão
palavras inglesas para um dicionário português? Só porque alguns fazem o uso
destes termos? Porque são usados num contexto informático?
Bem, lá porque uns fazem uso destes termos na seu quotidiano, ou porque outros
preferem não tradução estes termos em contextos informáticos, não quer por isso
dizer que tenha que se ir logo a correr inclui-los no dicionário português! Eu
nas traduções que faço tento ao máximo que tudo seja traduzido, até o termo
hardware traduzo para material.
Sabiam que os nossos vizinhos europeus fazem questão de traduzir tudo para as
suas respectivas línguas? Sabem que os franceses até o termo *web* traduzem?
Sabem que eles sim defendem a sua língua e gostam de ser quem são? Ao contrário
de nós (alguns) que detestam ser portugueses e vão logo na primeira moda?!? Mas
como é que isto pode ser possível num Portugal de hoje?!? Mais vale de uma vez
por todas começarmos a falar inglês, não?!
2011-04-06, Z.,
Os estrangeirismos são uma questão sensível para muitos utilizadores da língua, a quem cabe sempre a decisão de os utilizar ou não. No entanto, fazem parte da evolução de qualquer língua e, como tal, não podem ser ignorados.
A função de um dicionário passa essencialmente por uma descrição dos usos da língua, devendo basear-se sobretudo em factos linguísticos, os quais devem ser apresentados o mais objectivamente possível, independentemente das convicções ou dos usos individuais de cada lexicógrafo ou utilizador do dicionário.
Quando num dicionário, nomeadamente no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP), são registados estrangeirismos, aportuguesados ou não, esse registo é
feito com base em critérios relativos à boa formação (que inclui o respeito ou adaptação a regras ortográficas, fonéticas e morfológicas da língua portuguesa), aliados actualmente a frequências estatísticas, e atentando ainda ao registo em outras obras de referência. Por outras palavras, se uma palavra está bem formada
e tem alta frequência na língua, ela pertence a essa língua e deve ser registada num dicionário geral de língua.
No caso de estrangeirismos que mantêm a sua forma original no dicionário (ex.: download, email, site), trata-se maioritariamente de palavras cuja utilização está interiorizada ou cuja substituição pode colocar em causa a clareza e a concisão da informação veiculada. Em qualquer dos casos, o registo no dicionário permite ao utilizador, para além da consulta do seu significado, o conhecimento das alternativas mais
vernáculas. Assim, por exemplo, um utilizador que não queira utilizar a palavra download, verifica pela consulta do verbete no DPLP que pode substituí-la por
descarregamento ou que pode utilizar o verbo descarregar
em vez da expressão fazer download.
Em muitos casos, o uso de estrangeirismos na sua forma original (ex.: layout) pode explicar-se pela especificidade de sentido que têm em algumas áreas (como a informática ou as artes gráficas), em detrimento de sentidos mais generalistas em outras palavras (ex.: arranjo, disposição, plano,
traçado, composição). Este é provavelmente o motivo por que há resistência a muitos estrangeirismos e disto é exemplo o par site / sítio.
Em qualquer dos casos acima apontados, é útil a presença destas palavras num dicionário de português, pelo menos para ser possível propor alternativas ao consulente (independentemente de este as querer utilizar).
Um caso paradigmático da dificuldade em contornar estrangeirismos foi a tentativa de introdução de palavras mais vernáculas para o estrangeirismo futebol (que hoje já não é sentido como tal), palavras que o uso, porém, não consagrou (cf.
futebol, balípodo, bolapé, ludopédio, pedibola). Com algumas diferenças, o mesmo parece acontecer com marketing e mercadologia (cf. marketing / mercadologia).
Cândido de Figueiredo, no "Preâmbulo" do seu Novo Diccionário da Língua Portuguesa, de 1913, afirmava (o texto é igual ao da 1.ª edição, de 1899):
"Mas onde a crítica fácil mais convictamente me alvejará é na inscripção, que eu faço, de gallicismos intoleráveis. […] Por uma consideração: é que nós não sabemos se o gallicismo, hoje intolerável, será amanhan palavra portuguesa e, como tal, fará parte do thesoiro da língua. […] Um purista, que vivesse há quatro ou cinco séculos, devia sentir ondas de indignação, quando visse começar a usar-se libré, arranjar, ferrabrás, marau, freire, grifa, genebra, bilhete, betarraba, besonha, febre (adj.), petigris, poteia, poterna, abreuvar,
assembleia, petimetre, grelo, gaio (alegre), gage, greu, móela, gredelém, etc., porque todas essas palavras eram puras francesias; hoje… são portuguesas. ¿Quem sabe o que succederá aos mais intoleráveis gallicismos de hoje?"
Aquilo que Cândido de Figueiredo apontava aos galicismos pode hoje, da mesma forma, ser aplicado aos anglicismos, assim como uma outra afirmação que o autor faz mais adiante e se pode aplicar à lexicografia contemporânea: "o Diccionário é o que deve sêr: reproducção de factos e não tribuna de reformador."
Refira-se ainda que não há, em Portugal, uma instituição com funções efectivas
na definição de norma ou na normatização linguística. A este respeito, é
interessante verificar a posição da Academia das Ciências de Lisboa, uma
"instituição interdisciplinar" (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea
da Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa: Verbo, 2001: p. ix), que não se
pode assemelhar às academias espanhola e francesa, as quais "nasceram só para o
estudo das [respectivas] Línguas", como refere Pina Martins, Presidente da
Academia à data do seu prefácio ao Dicionário da Língua Portuguesa
Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa. Em Portugal, a Academia
das Ciências de Lisboa é, ainda assim, a entidade que estatutariamente se
constitui como "o órgão consultivo do Governo Português em matéria linguística "
(Art.º 5.º dos Estatutos da Academia das Ciências de Lisboa). O Dicionário da Língua
Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, emanado dessa
instituição, procedeu também ao tratamento de um conjunto considerável de
estrangeirismos, propondo aportuguesamento nuns casos, mantendo as grafias
estrangeiras noutros.
A este propósito, e porque referiu o francês, veja-se, a título de exemplo, os
casos relativos ao espanhol e ao francês. A Real
Academia Española, no seu Diccionario Panhispánico de Dudas
disponibilizado on-line, pronuncia-se sobre o uso dos
estrangeirismos em geral, sempre com o propósito de incluir o que deve ser
incluído e de substituir o que é desnecessário, ou ainda sobre o uso específico
de palavras como
web. Relativamente à
Académie Française,
veja-se a
lista de estrangeirismos incluídos na nova edição em preparação do
Dictionnaire de l'Académie française. O que se demonstra assim é que mesmo essas academias, com o seu característico grau de conservadorismo, têm necessidade de lidar com os estrangeirismos, não se limitando a recusar o seu uso.
2011-04-06
Helena Figueira