Base IX
Da acentuação gráfica das palavras paroxítonas
1.º As palavras paroxítonas não são em geral acentuadas graficamente: enjoo, grave, homem, mesa, Tejo, vejo, velho, voo; avanço, floresta; abençoo, angolano, brasileiro; descobrimento, graficamente, moçambicano.
2.º Recebem, no entanto, acento agudo:
a) As palavras paroxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em -l, -n, -r, -x e -ps, assim como, salvo raras exceções, as respetivas formas do plural, algumas das quais passam a proparoxítonas: amável (pl. amáveis), Aníbal, dócil (pl. dóceis)1, dúctil (pl. dúcteis), fóssil (pl. fósseis), réptil (pl. répteis; var. reptil, pl. reptis); cármen (pl. cármenes ou carmens; var. carme, pl. carmes); dólmen (pl. dólmenes ou dolmens), éden (pl. édenes ou edens), líquen (pl.2 líquenes), lúmen (pl. lúmenes ou lumens); açúcar (pl. açúcares), almíscar (pl. almíscares), cadáver (pl. cadáveres), caráter ou carácter (mas pl. carateres ou caracteres), ímpar (pl. ímpares); Ajax, córtex (pl. córtex; var. córtice, pl. córtices), índex (pl. índex3; var. índice, pl. índices), tórax (pl.4 tórax ou tóraxes; var. torace, pl. toraces); bíceps (pl. bíceps; var. bicípite, pl. bicípites), fórceps (pl. fórceps; var. fórcipe, pl. fórcipes).
Obs.: Muito poucas palavras deste tipo, com as vogais tónicas/tônicas grafadas e e o em fim de sílaba, seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua e, por conseguinte, também de acento gráfico (agudo ou circunflexo): sémen e sêmen, xénon e xênon; fémur e fêmur, vómer e vômer, Fénix e Fênix, ónix e ônix;
b) As palavras paroxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i ou u e que terminam em -ã(s), -ão(s), -ei(s), -i(s), -um, -uns, ou -us: órfã (pl. órfãs), acórdão (pl. acórdãos), órfão (pl. órfãos), órgão (pl. órgãos), sótão (pl. sótãos); hóquei, jóquei (pl. jóqueis), amáveis (pl. de amável), fáceis (pl. de fácil), fósseis (pl. de fóssil), amáreis (de amar), amáveis (id.), cantaríeis (de cantar), fizéreis (de fazer), fizésseis (id.); beribéri (pl. beribéris), bílis (sg. e pl.), íris (sg. e pl.), júri (pl. júris), oásis (sg. e pl.); álbum (pl. álbuns), fórum (pl. fóruns); húmus (sg. e pl.), vírus (sg. e pl.).
Obs.: Muito poucas paroxítonas deste tipo, com as vogais tónicas/tônicas grafadas e e o em fim de sílaba, seguidas das consoantes nasais grafadas m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua, o qual é assinalado com acento agudo, se aberto, ou circunflexo, se fechado: pónei e pônei; gónis e gônis, pénis e pênis, ténis e tênis; bónus e bônus, ónus e ônus, tónus e tônus, Vénus e Vênus.
3.º Não se acentuam graficamente os ditongos representados por ei e oi da sílaba tónica/tônica das palavras paroxítonas, dado que existe oscilação em muitos casos entre o fechamento e a abertura na sua articulação: assembleia, boleia, ideia, tal como aldeia, baleia, cadeia, cheia, meia; coreico, epopeico, onomatopeico, proteico; alcaloide, apoio (do verbo apoiar), tal como apoio (subst.), Azoia, boia, boina, comboio (subst.), tal como comboio, comboias, etc. (do verbo comboiar), dezoito, estroina, heroico, introito, jiboia, moina, paranoico, zoina.
4.º É facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais de pretérito perfeito do indicativo, do tipo amámos, louvámos, para as distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos), já que o timbre da vogal tónica/tônica é aberto naquele caso em certas variantes do português.
5.º Recebem acento circunflexo:
a) As palavras paroxítonas que contêm, na sílaba tónica/tônica, as vogais fechadas com a grafia a, e, o e que terminam em -l, -n, -r ou -x, assim como as respetivas formas do plural, algumas das quais se tornam proparoxítonas: cônsul (pl. cônsules), pênsil (pl. pênseis), têxtil (pl. têxteis); cânon, var. cânone (pl. cânones), plâncton (pl. plânctons); Almodôvar, aljôfar (pl. aljôfares), âmbar (pl. âmbares), Câncer, Tânger; bômbax (sg. e pl.), bômbix, var. bômbice (pl. bômbices);
b) As palavras paroxítonas que contêm, na sílaba tónica/tônica, as vogais fechadas com a grafia a, e, o e que terminam em -ão(s), -eis, -i(s) ou -us: bênção(s), côvão(s), Estêvão, zângão(s); devêreis (de dever), escrevêsseis (de escrever), fôreis (de ser e ir), fôsseis (id.), pênseis (pl. de pênsil), têxteis (pl. de têxtil); dândi(s), Mênfis; ânus;
c) As formas verbais têm e vêm, 3.as pessoas do plural do presente do indicativo de ter e vir, que são foneticamente paroxítonas (respetivamente /tãjãj/, /vãjãj/ ou /tÉÉj/, /vÉÉj/, ou ainda /tÉjÉj/, /vÉjÉj/; cf. as antigas grafias preteridas, tÉem, vÉem), a fim de distinguirem de tem e vem, 3.as pessoas do singular do presente do indicativo ou 2.as pessoas do singular do imperativo; e também as correspondentes formas compostas, tais como: abstêm (cf. abstém), advêm (cf. advém), contêm (cf. contém), convêm (cf. convém), desconvêm (cf. desconvém), detêm (cf. detém), entretêm (cf. entretém), intervêm (cf. intervém), mantêm (cf. mantém), obtêm (cf. obtém), provêm (cf. provém), sobrevêm (cf. sobrevém)5.
Obs.: Também neste caso são preteridas as antigas grafias detÉem, intervÉem, mantÉem, provÉem, etc.
6.º Assinalam-se com acento circunflexo:
a) Obrigatoriamente, pôde (3.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo), que se distingue da correspondente forma do presente do indicativo (pode);
b) Facultativamente, dêmos (1.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo), para se distinguir da correspondente forma do pretérito perfeito do indicativo (demos); fôrma (substantivo), distinta de forma (substantivo; 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo ou 2.ª pessoa do singular do imperativo do verbo formar).
7.º Prescinde-se de acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas que contêm um e tónico/tônico oral fechado em hiato com a terminação -em da 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, conforme os casos: creem, deem (conj.), descreem, desdeem (conj.), leem, preveem, redeem (conj.), releem, reveem, tresleem, veem.
8.º Prescinde-se igualmente do acento circunflexo para assinalar a vogal tónica/tônica fechada com a grafia o em palavras paroxítonas como enjoo, substantivo e flexão de enjoar, povoo, flexão de povoar, voo, substantivo e flexão de voar, etc.
9.º Prescinde-se, quer do acento agudo, quer do circunflexo, para distinguir palavras paroxítonas que, tendo respetivamente vogal tónica/tônica aberta ou fechada, são homógrafas de palavras proclíticas. Assim, deixam de se distinguir pelo acento gráfico: para (á), flexão de parar, e para, preposição; pela(s) (é), substantivo e flexão de pelar, e pela(s), combinação de per e la(s); pelo (é), flexão de pelar, e pelo(s) (ê), substantivo ou combinação de per e lo(s); polo(s) (ó), substantivo, e polo(s), combinação antiga e popular de por e lo(s); etc.
10.º Prescinde-se igualmente de acento gráfico para distinguir paroxítonas homógrafas heterofónicas/heterofônicas do tipo de acerto (ê), substantivo e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cerca (ê), substantivo, advérbio e elemento da locução prepositiva cerca de, e cerca (é), flexão de cercar; coro (ô), substantivo, e coro (ó), flexão de corar; deste (ê), contração da preposição de com o demonstrativo este, e deste (é), flexão de dar; fora (ô), flexão de ser e ir, e fora (ó), advérbio, interjeição e substantivo; piloto (ô), substantivo, e piloto (ó), flexão de pilotar, etc.
1 - No texto oficial, por lapso, sem vírgula.
2 - Plural único já no texto oficial, contrariamente a casos análogos referenciados (cármen, dólmen, éden, lúmen).
3 - No texto oficial, por lapso, "index".
4 - Plural duplo já no texto oficial, contrariamente a casos análogos referenciados (córtex, índex).
5 - No texto oficial, por lapso, "(cf. sobrevém.".
Base XVI
O ditongo ei da terminação eia, mesmo que possa soar éi, nunca leva acento agudo, em virtude das divergências que neste caso existem não apenas entre a pronúncia portuguesa e a brasileira, mas também entre as pronúncias de regiões portuguesas. Escreve‑se, portanto: assembleia, ateia (feminino de ateu), boleia, Crimeia, Eneias, Galileia, geleia, hebreia, ideia, nemeia, patuleia, plateia, do mesmo modo que aldeia, baleia, cadeia, cheia, lampreia, sereia, etc.
Por idêntica falta de pronúncia uniforme, dispensa‑se também o acento agudo no ditongo ei da terminação eico e no ditongo oi de algumas palavras paroxítonas: coreico, epopeico, onomatopeico; comboio (todavia combóio, como flexão de comboiar), dezoito.
Base XVII
Assinala‑se com o acento agudo, nos verbos regulares da primeira conjugação, a terminação da primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo: amámos, louvámos, etc., e não amamos, louvamos, etc.
Serve aqui o acento agudo, não para indicar o timbre da vogal tónica, visto a pronúncia desta carecer de uniformidade (nem sempre aberta em Portugal, nem sempre fechada no Brasil), mas apenas para distinguir das correspondentes formas do presente do indicativo (amamos, louvamos, etc.), em benefício da clareza do discurso, as formas pretéritas com aquela terminação.
Base XXII
O emprego do acento circunflexo, para distinguir formas paroxítonas ou oxítonas das suas homógrafas heterofónicas, faz‑se apenas em dois casos: 1.°) quando uma palavra com vogal tónica fechada é homógrafa de uma palavra sem acentuação própria; 2.°) quando uma flexão de determinada palavra, também com vogal tónica fechada, é homógrafa de outra flexão da mesma palavra em que a vogal tónica soa aberta. Assim se diferençam, no primeiro caso (em que não se inclui a forma verbal como, escrita tal qual a partícula como, por esta poder ter acentuação própria): côa, flexão de coar, e coa, combinação de com e a (do mesmo modo Côa, topónimo); côas, também flexão de coar, e coas, combinação de com e as; pêlo, substantivo, e pelo, combinação de per e lo; pêlos, plural de pêlo, e pelos, combinação de per e los; pêra, substantivo, e pera, preposição arcaica (mas o plural, peras, sem acento); pêro, substantivo, e pero, conjunção arcaica (mas o plural, peros, também sem acento); Pêro, antropónimo (com acentuação própria, embora de origem proclítica), e a mesma conjunção pero; pôlo, substantivo, e polo, combinação de por e lo; pôlos, plural de pôlo, e polos, combinação de por e los; pôr, verbo, e por, preposição; etc. E assim também se diferençam, no segundo caso: pôde, forma do pretérito perfeito do indicativo do verbo poder, e pode, forma do presente do indicativo do mesmo verbo; dêmos, forma do presente do conjuntivo do verbo dar, e demos, forma do pretérito perfeito do indicativo do mesmo verbo (embora nesta última flexão nem sempre seja aberta a vogal tónica).
Feita esta limitação, prescinde‑se do acento circunflexo em grande número de palavras com vogal tónica fechada que são homógrafas de outras com vogal tónica aberta. Quer dizer: conquanto se distingam na pronúncia, não se distinguem na escrita formas como: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; açores (ô), plural de açor (do mesmo modo o topónimo Açores), e açores (ó), flexão de açorar; aquele (ê), pronome, e aquele (é), flexão de aquelar; aqueles (ê), plural de aquele, e aqueles (é), também flexão de aquelar; cerca (ê), substantivo, advérbio e elemento da locução prepositiva cerca de, e cerca (é), flexão de cercar; colher (ê), verbo, e colher (é), substantivo; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução adverbial de cor; doutores (ô), plural de doutor, e doutores (ó), flexão de doutorar; ele (ê), pronome, e ele (é), nome da letra l; eles (ê), plural de ele (ê), e eles (é), plural de ele (é); esse (ê), pronome, e esse (é), nome da letra s; esses (ê), plural de esse (ê), e esses (é), plural de esse (é); este (ê), pronome, e este (é), substantivo; esteve (ê), flexão de estar, e esteve (é), flexão de estevar; fez (ê), substantivo e flexão de fazer, e fez (é), substantivo; fora (ô), flexão de ser e ir, e fora (ó), advérbio, interjeição e substantivo; fosse (ô), também flexão de ser e ir, e fosse (ó), flexão de fossar; ingleses (ê), plural de inglês, e ingleses (é), flexão de inglesar; meta (ê), flexão de meter, e meta (é), substantivo; nele (ê), combinação de em e ele, e nele (é), substantivo; oca (ô), feminino de oco, e oca (ó), substantivo; piloto (ô), substantivo, e piloto (ó), flexão de pilotar; portuguesa (ê), feminino de português, e portuguesa (é), flexão de portuguesar; rogo (ô), substantivo, e rogo (ó), flexão de rogar; seres (ê), flexão de ser (ê), e Seres (é), nome de povo; transtorno (ô), substantivo, e transtorno (ó), flexão de transtornar; vezes (ê), plural de vez, e vezes (é), flexão de vezar; etc.
Base XX
As formas monossilábicas da terceira pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos ter e vir, têm e vêm, marcadas com o acento circunflexo para se distinguirem das correspondentes da terceira pessoa do singular, tem e vem, são de emprego exclusivo na escrita corrente, preterindo assim as formas dissilábicas tẽem e vẽem, que se consideram como dialectais.
De modo análogo, também só devem escrever‑se correntemente as formas compostas contêm, convêm, mantêm, provêm, etc., diferençadas pelo acento circunflexo das terceiras pessoas do singular contém, convém, mantém, provém, etc., e por isso se prescinde das formas compostas de tẽem e vẽem.
Base XXI
Ao passo que se emprega o acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas em que um e tónico fechado faz hiato com outro e, pertencente à terminação em, prescinde‑se desse acento nas formas verbais e nominais paroxítonas em que um o tónico fechado faz hiato com outro o, final ou seguido de s. Exemplos: crêem, dêem, lêem, vêem (dos verbos crer, dar, ler, ver), e do mesmo modo descrêem, desdêem, relêem, revêem (dos verbos descrer, desdar, reler, rever); mas, sem acento circunflexo, abençoo, condoo‑me, enjoo, moo, remoo, voos.
Com as formas do segundo tipo nivelam‑se na escrita, tal como na pronúncia, várias formas onomásticas de origem greco‑latina: Aqueloo, Eoo, etc.
Base XVIII
Emprega‑se o acento agudo nas palavras que, tendo vogal tónica aberta, sejam homógrafas de palavras sem acentuação própria. Assim se diferençam: pára, flexão de parar, e para, preposição; péla, substantivo e flexão de pelar, e pela, combinação de per e la; pélas, plural de péla, e flexão de pelar, e pelas, combinação de per e las; pélo, também flexão de pelar, e pelo, combinação de per e lo; pólo, substantivo, e polo, combinação de por1 e lo; pólos, plural de pólo, e polos, combinação de por e los; etc.
1 - No texto oficial, por lapso, "per".
5 - Sistema de acentuação gráfica (bases VIII a XIII)
5.1 - Análise geral da questão
O sistema de acentuação gráfica do português actualmente em vigor, extremamente complexo e minucioso, remonta essencialmente à Reforma Ortográfica de 1911.
Tal sistema não se limita, em geral, a assinalar apenas a tonicidade das vogais sobre as quais recaem os acentos gráficos, mas distingue também o timbre destas.
Tendo em conta as diferenças de pronúncia entre o português europeu e o do Brasil, era natural que surgissem divergências de acentuação gráfica entre as duas realizações da língua.
Tais divergências têm sido um obstáculo à unificação ortográfica do português.
É certo que em 1971, no Brasil, e em 1973, em Portugal, foram dados alguns passos significativos no sentido da unificação da acentuação gráfica, como se disse atrás. Mas, mesmo assim, subsistem divergências importantes neste domínio, sobretudo no que respeita à acentuação das paroxítonas.
Não tendo tido viabilidade prática a solução fixada na Convenção Ortográfica de 1945, conforme já foi referido, duas soluções eram possíveis para se procurar resolver esta questão.
Uma era conservar a dupla acentuação gráfica, o que constituía sempre um espinho contra a unificação da ortografia.
Outra era abolir os acentos gráficos, solução adoptada em 1986, no Encontro do Rio de Janeiro.
Esta solução, já preconizada no I Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa Contemporânea, realizado em 1967 em Coimbra, tinha sobretudo a justificá-la o facto de a língua oral preceder a língua escrita, o que leva muitos utentes a não empregarem na prática os acentos gráficos, visto que não os consideram indispensáveis à leitura e compreensão dos textos escritos.
A abolição dos acentos gráficos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas preconizada no Acordo de 1986, foi, porém, contestada por uma larga parte da opinião pública portuguesa, sobretudo por tal medida ir contra a tradição ortográfica e não tanto por estar contra a prática ortográfica.
A questão da acentuação gráfica tinha, pois, de ser repensada.
Neste sentido, desenvolveram-se alguns estudos e fizeram-se vários levantamentos estatísticos com o objectivo de se delimitarem melhor e quantificarem com precisão as divergências existentes nesta matéria.
5.2 - Casos de dupla acentuação
5.2.1 - Nas proparoxítonas (base XI)
Verificou-se assim que as divergências, no que respeita às proparoxítonas, se circunscrevem praticamente, como já foi destacado atrás, ao caso das vogais tónicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n, com as quais aquelas não formam sílaba (v. base XI, 3.º).
Estas vogais soam abertas em Portugal e nos países africanos, recebendo, por isso, acento agudo, mas são do timbre fechado em grande parte do Brasil, grafando-se por conseguinte com acento circunflexo: académico/acadêmico, cómodo/cômodo, efémero/efêmero, fenómeno/fenômeno, génio/gênio, tónico/tônico, etc.
Existe uma ou outra excepção a esta regra, como, por exemplo, cômoro e sêmola, mas estes casos não são significativos.
Costuma, por vezes, referir-se que o a tónico das proparoxítonas quando seguido de m ou n com que não forma sílaba, também está sujeito à referida divergência de acentuação gráfica. Mas tal não acontece, porém, já que o seu timbre soa praticamente sempre fechado nas pronúncias cultas da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: âmago, ânimo, botânico, câmara, dinâmico, gerânio, pânico, pirâmide.
As únicas excepções a este princípio são os nomes próprios de origem grega Dánae/Dânae e Dánao/Dânao.
Note-se que se as vogais e e o, assim como a, formam sílaba com as consoantes m ou n, o seu timbre é sempre fechado em qualquer pronúncia culta da língua, recebendo, por isso, acento circunflexo: êmbolo, amêndoa, argênteo, excêntrico, têmpera; anacreôntico, cômputo, recôndito; cânfora, Grândola, Islândia, lâmpada, sonâmbulo, etc.
5.2.2 - Nas paroxítonas (base IX)
Também nos casos especiais de acentuação das paroxítonas ou graves (v. base IX, 2.º), algumas palavras que contêm as vogais tónicas e e o em final de sílaba, seguidas das consoantes nasais m e n, apresentam oscilação de timbre nas pronúncias cultas da língua.
Tais palavras são assinaladas com acento agudo, se o timbre da vogal tónica é aberto, ou com acento circunflexo, se o timbre é fechado: fémur ou fêmur, Fénix ou Fênix, ónix ou ônix, sémen ou sêmen, xénon ou xênon; bónus ou bônus, ónus ou ônus, pónei ou pônei, ténis ou tênis, Vénus ou Vênus; etc. No total, estes são pouco mais de uma dúzia de casos.
5.2.3 - Nas oxítonas (base VIII)
Encontramos igualmente nas oxítonas algumas divergências de timbre em palavras terminadas em e tónico, sobretudo provenientes do francês. Se esta vogal tónica soa aberta, recebe acento agudo; se soa fechada, grafa-se com acento circunflexo. Também aqui os exemplos pouco ultrapassam as duas dezenas: bebé ou bebê, caraté ou caratê, croché ou crochê, guiché ou guichê, matiné ou matinê, puré ou purê; etc. Existe também um caso ou outro de oxítonas terminadas em o ora aberto ora fechado, como sucede em cocó ou cocô, ró ou rô.
A par de casos como este há formas oxítonas terminadas em o fechado, às quais se opõem variantes paroxítonas, como acontece em judô e judo, metrô e metro, mas tais casos são muito raros.
5.2.4 - Avaliação estatística dos casos de dupla acentuação gráfica
Tendo em conta o levantamento estatístico que se fez na Academia das Ciências de Lisboa, com base no já referido corpus de cerca de 110000 palavras do vocabulário geral da língua, verificou se que os citados casos de dupla acentuação gráfica abrangiam aproximadamente 1,27% (cerca de 1400 palavras). Considerando que tais casos se encontram perfeitamente delimitados, como se referiu atrás, sendo assim possível enunciar a regra de aplicação, optou-se por fixar a dupla acentuação gráfica como a solução menos onerosa para a unificação ortográfica da língua portuguesa.
5.3 - Razões da manutenção dos acentos gráficos nas proparoxítonas e paroxítonas
Resolvida a questão dos casos de dupla acentuação gráfica, como se disse atrás, já não tinha relevância o principal motivo que levou em 1986 a abolir os acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas.
Em favor da manutenção dos acentos gráficos nestes casos, ponderaram-se, pois, essencialmente as seguintes razões:
a) Pouca representatividade (cerca de 1,27%) dos casos de dupla acentuação;
b) Eventual influência da língua escrita sobre a língua oral, com a possibilidade de, sem acentos gráficos, se intensificar a tendência para a paroxitonia, ou seja, deslocação do acento tónico da antepenúltima para a penúltima sílaba, lugar mais frequente de colocação do acento tónico em português;
c) Dificuldade em apreender correctamente a pronúncia de termos de âmbito técnico e científico, muitas vezes adquiridos através da língua escrita (leitura);
d) Dificuldades causadas, com a abolição dos acentos, à aprendizagem da língua, sobretudo quando esta se faz em condições precárias, como no caso dos países africanos, ou em situação de auto-aprendizagem;
e) Alargamento, com a abolição dos acentos gráficos, dos casos de homografia, do tipo de análise (s.)/analise (v.), fábrica (s.)/fabrica (v.), secretária (s.)/secretaria (s. ou v.), vária (s.)/varia (v.), etc., casos que, apesar de dirimíveis pelo contexto sintáctico, levantariam por vezes algumas dúvidas e constituiriam sempre problema para o tratamento informatizado do léxico;
f) Dificuldade em determinar as regras de colocação do acento tónico em função da estrutura mórfica da palavra. Assim, as proparoxítonas, segundo os resultados estatísticos obtidos da análise de um corpus de 25000 palavras, constituem 12%. Destes 12%, cerca de 30% são falsas esdrúxulas (cf. génio, água, etc.). Dos 70% restantes, que são as verdadeiras proparoxítonas (cf. cómodo, género, etc.), aproximadamente 29% são palavras que terminam em -ico/-ica (cf. ártico, económico, módico, prático, etc.). Os restantes 41% de verdadeiras esdrúxulas distribuem-se por cerca de 200 terminações diferentes, em geral de carácter erudito (cf. espírito, ínclito, púlpito; filólogo; filósofo; esófago; epíteto; pássaro; pêsames; facílimo; lindíssimo; parêntesis; etc.).
5.4 - Supressão de acentos gráficos em certas palavras oxítonas e paroxítonas (bases VIII, IX e X)
5.4.1 - Em casos de homografia (bases VIII, 3.º, e IX, 9.º e 10.º)
O novo texto ortográfico estabelece que deixem de se acentuar graficamente palavras do tipo de para (á), flexão de parar, pelo (ê), substantivo, pelo (é), flexão de pelar, etc., as quais são homógrafas, respectivamente, das proclíticas para, preposição, pelo, contracção de per e lo, etc.
As razões por que se suprime, nestes casos, o acento gráfico são as seguintes:
a) Em primeiro lugar, por coerência com a abolição do acento gráfico já consagrada pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei n.º 5765, de 18 de Dezembro de 1971, no Brasil, em casos semelhantes, como, por exemplo: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de cor; sede (ê) e sede (é), ambos substantivos; etc.;
b) Em segundo lugar, porque, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintáctico permite distinguir claramente tais homógrafas.
5.4.2 - Em paroxítonas com os ditongos ei e oi na sílaba tónica (base IX, 3.º)
O novo texto ortográfico propõe que não se acentuem graficamente os ditongos ei e oi tónicos das palavras paroxítonas. Assim, palavras como assembleia, boleia, ideia, que na norma gráfica brasileira se escrevem com acento agudo, por o ditongo soar aberto, passarão a escrever-se sem acento, tal como aldeia, baleia, cheia, etc.
Do mesmo modo, palavras como comboio, dezoito, estroina, etc., em que o timbre do ditongo oscila entre a abertura e o fechamento, oscilação que se traduz na facultatividade do emprego do acento agudo no Brasil, passarão a grafar-se sem acento.
A generalização da supressão do acento nestes casos justifica-se não apenas por permitir eliminar uma diferença entre a prática ortográfica brasileira e a lusitana, mas ainda pelas seguintes razões:
a) Tal supressão é coerente com a já consagrada eliminação do acento em casos de homografia heterofónica (v. base IX, 10.º, e, neste texto atrás, 5.4.1), como sucede, por exemplo, em acerto, substantivo, e acerto, flexão de acertar, acordo, substantivo, e acordo, flexão de acordar, fora, flexão de ser e ir, e fora, advérbio, etc.;
b) No sistema ortográfico português não se assinala, em geral, o timbre das vogais tónicas a, e e o das palavras paroxítonas, já que a língua portuguesa se caracteriza pela sua tendência para a paroxitonia. O sistema ortográfico não admite, pois, a distinção entre, por exemplo: cada (â) e fada (á), para (â) e tara (á); espelho (ê) e velho (é), janela (é) e janelo (ê), escrevera (ê), flexão de escrever, e Primavera (é); moda (ó) e toda (ô), virtuosa (ó) e virtuoso (ô); etc.
Então, se não se torna necessário, nestes casos, distinguir pelo acento gráfico o timbre da vogal tónica, por que se há-de usar o diacrítico para assinalar a abertura dos ditongos ei e oi nas paroxítonas, tendo em conta que o seu timbre nem sempre é uniforme e a presença do acento constituiria um elemento perturbador da unificação ortográfica?
5.4.3 - Em paroxítonas do tipo de abençoo, enjoo, voo, etc. (base IX, 8.º)
Por razões semelhantes às anteriores, o novo texto ortográfico consagra também a abolição do acento circunflexo, vigente no Brasil, em palavras paroxítonas como abençoo, flexão de abençoar, enjoo substantivo e flexão de enjoar, moo, flexão de moer, povoo, flexão de povoar, voo, substantivo e flexão de voar, etc.
O uso do acento circunflexo não tem aqui qualquer razão de ser, já que ele ocorre em palavras paroxítonas cuja vogal tónica apresenta a mesma pronúncia em todo o domínio da língua portuguesa. Além de não ter, pois, qualquer vantagem nem justificação, constitui um factor que perturba a unificação do sistema ortográfico.
5.4.4 - Em formas verbais com u e ui tónicos, precedidos de g e q (base X, 7.º)
Não há justificação para se acentuarem graficamente palavras como apazigue, arguem, etc., já que estas formas verbais são paroxítonas e a vogal u é sempre articulada, qualquer que seja a flexão do verbo respectivo.
No caso de formas verbais como argui, delinquis, etc., também não há justificação para o acento, pois se trata de oxítonas terminadas no ditongo tónico ui, que como tal nunca é acentuado graficamente.
Tais formas só serão acentuadas se a sequência ui não formar ditongo e a vogal tónica for i, como, por exemplo, arguí (1.ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo).
A alínea b) do ponto 6.º, que distingue fôrma (substantivo) e forma (substantivo; 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo ou 2.ª pessoa do singular do imperativo do verbo formar) contraria o ponto 10.º desta mesma base, em que se prescinde de acento gráfico para distinguir palavras graves homógrafas mas não homófonas.
O ponto 9º estipula a omissão do acento agudo na 3ª pessoa do singular do indicativo do verbo parar (pára), anulando assim a distinção entre pára (verbo) e para (preposição), contrariamente ao que é definido no ponto 3º da base VII para o par pôr (verbo) / por (preposição), que continua a distinguir-se graficamente pela acentuação.
Os argumentos invocados no ponto 5.4.1 da Nota Explicativa poderiam aplicar-se com a mesma propriedade aos casos de pôr/por e forma/fôrma: " a) Em primeiro lugar, por coerência com a abolição do acento gráfico já consagrada pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei n.º 5765, de 18 de Dezembro de 1971, no Brasil, em casos semelhantes, como, por exemplo: acerto (ê), substantivo, e acerto (é), flexão de acertar; acordo (ô), substantivo, e acordo (ó), flexão de acordar; cor (ô), substantivo, e cor (ó), elemento da locução de cor; sede (ê) e sede (é), ambos substantivos; etc.; b) Em segundo lugar, porque, tratando-se de pares cujos elementos pertencem a classes gramaticais diferentes, o contexto sintáctico permite distinguir claramente tais homógrafas."