Gostaria de saber quando é que uma palavra tomada de empréstimo a uma outra língua pode deixar de ser considerada estrangeirismo na língua adotante. No caso dos francesismos "cave", "suicídio", "sargento", "tropa", "cobarde", "paisagem" "revanchista", "menu", "balé", "ateliê" e "dossiê", será que devemos considerá-los todos estrangeirismos?
T. A. , Portugal
Um estrangeirismo é uma palavra ou locução que pertence ao léxico de uma língua e é incorporada no léxico de outra. A sua integração na segunda língua pode ter várias fases de evolução, desde adaptações fonéticas e morfossintácticas mais ou menos profundas, transliteração ou adaptação ao sistema gráfico, possibilidade de formação de novas palavras a partir da palavra original por afixação ou composição, adaptação à ortografia ou ainda criação de novos sentidos.
A fase em que se considera que o estrangeirismo deixa de o ser é discutível e está sempre relacionada com o grau de integração e estabilização no léxico. Segundo Tiago Freitas, Maria Celeste Ramilo e Elisabete Soalheiro, em "O processo de integração dos estrangeirismos no Português Europeu" (in Maria Helena MATEUS, Fernanda Bacelar do NASCIMENTO (orgs.), A Língua Portuguesa em Mudança, Lisboa: Caminho, 2005, pp. 46), "as palavras completamente integradas têm de evidenciar estabilização a vários níveis, aproximando-se formalmente dos vocábulos já listados no léxico", devendo estar a associados a esta integração a) uma fixação do acento tónico da palavra, que evidencia estabilização fonológica; b) a fixação do género da palavra e das formas flexionadas em género e número, que evidencia estabilização morfossintáctica; c) a possibilidade de formação de palavras derivadas, que evidencia estabilização morfológica e d) a eventual extensão do sentido da língua de origem.
No caso das palavras referidas como francesismos ou galicismos (ateliê, balé, cave, cobarde, dossiê, menu, paisagem, revanchista, sargento, suicídio e tropa), apesar de terem origem no francês, entraram na língua portuguesa em alturas diferentes. Segundo as fontes de datação do Dicionário Houaiss, formas da palavra cobarde ou covarde parecem estar atestadas na língua desde o século XIII; paisagem, sargento e tropa têm formas históricas registadas pelo menos desde o século XVI; menu e suicídio já estavam registados em dicionários do século XIX; cave terá atestação desde cerca de 1900; ateliê, balé e dossiê terão entrado na língua no século XX.
Todas estas palavras parecem estar perfeitamente integradas no léxico do português, pelo que, apesar de terem origem no francês, já fazem parte do léxico do português e podem já não ser consideradas estrangeirismos, sendo mesmo a palavra revanchista já uma palavra derivada formada no português por sufixação (de revanche + -ista).
Será ainda pertinente transcrever também, para maior problematização deste assunto, a afirmação de Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, em Inovação lexical em português (Lisboa: Edições Colibri/Associação de Professores de Português (col. Cadernos de língua portuguesa, 4), 2005, pp. 56): "Estudos mais recentes sobre a importação de palavras têm permitido verificar que, em suma, toda e qualquer palavra que entra num sistema linguístico se adapta a esse sistema, quanto mais não seja, fonologicamente, pelo que é hoje em dia discutível a manutenção dos conceitos de estrangeirismo e empréstimo."
Bibliografia:
Margarita CORREIA, Lúcia San Payo de LEMOS, Inovação lexical em português, Lisboa: Edições Colibri/Associação de Professores de Português (col. Cadernos de língua portuguesa, 4), 2005, pp. 52-56.
Tiago FREITAS, Maria Celeste RAMILO, Elisabete SOALHEIRO, "O processo de integração dos estrangeirismos no Português Europeu" in Maria Helena MATEUS, Fernanda Bacelar do NASCIMENTO (orgs.), A Língua Portuguesa em Mudança, Lisboa: Caminho, 2005, pp. 37-49.
Ver também: adaptação de estrangeirismos
Helena Figueira, 10/07/2023Notas
- As respostas são datadas e escritas segundo a ortografia da norma europeia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
- A base do dicionário foi alterada a 1 de Abril de 2009, pelo que as referências em dúvidas anteriores a esta data podem não corresponder ao conteúdo actual.
- As respostas sobre questões ortográficas são maioritariamente baseadas na norma ortográfica portuguesa de 1945, contendo as respostas mais recentes indicações sobre a ortografia antes e depois do Acordo Ortográfico de 1990.
- A bibliografia utilizada está disponível aqui.