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concordâncias com unidades (II) [Ortografia / Concordâncias]

Qual o correto:
- 0,25 mol ou 0,25 mols?
e
- 1,2 litro ou 1,2 litros?

T. (Brasil)

Antes de mais, convém esclarecer que há divergências entre a norma brasileira e a norma europeia do Português quanto à grafia e ao género da unidade do Sistema Internacional de Unidades cujo símbolo é mol. A tradição lexicográfica portuguesa, talvez por influência do francês, regista a forma mole como substantivo feminino (plural: moles), conforme se pode verificar seguindo a hiperligação para o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Os dicionários brasileiros, por seu lado, registam a forma mol como substantivo masculino (plural: mols, segundo o Dicionário Aurélio, e mols ou moles, segundo o Dicionário Houaiss). Ou seja, na norma brasileira há uma coincidência gráfica entre o símbolo (mol), que não tem plural, porque os símbolos são entidades matemáticas, e o singular da unidade (um mol).

Quanto à dúvida propriamente dita, regra geral, e tal como é referido na resposta concordâncias com unidades (I), as unidades de medida concordam em número com o numeral que as precede. Assim, por exemplo, 75 mol lê-se setenta e cinco moles mas 1 mol lê-se uma mole (ou um mol, no português do Brasil, como se referiu acima). O problema coloca-se relativamente à flexão de nomes contáveis após 0 ou 1 seguidos de casas decimais (ex.: 0,25 mol; 1,2 l), uma vez que parece não haver nenhuma referência gramatical taxativa sobre o assunto, havendo, sim, diferentes juízos de valor e opiniões de gramáticos ou linguistas. Por exemplo, na análise que fazem deste assunto em Áreas Críticas da Língua Portuguesa, (Lisboa: Editorial Caminho, 1995, pp. 512-517), João Andrade Peres e Telmo Móia defendem o uso do nome no plural (0,25 mol = zero vírgula vinte e cinco moles; 1,2 l = um vírgula dois litros), ponderando (1) a tradição que os autores consideram existir, em Portugal, de se fazer geralmente a concordância plural nestes casos, (2) a prática consagrada, em Portugal, da concordância plural com o número zero e (3) o facto de estes números traduzirem uma noção de pluralidade, pois por meio deles "[...] se refere uma porção unitária a que acresce uma porção inferior à unidade (esta identificada por um algarismo diferente de zero à direita da vírgula)." (op. cit. p. 517).

Relativamente à justificação apresentada pelos autores no ponto (2), pesquisas em corpora e em motores de busca revelam um comportamento divergente entre as normas portuguesa e brasileira. Em Portugal, é comum a utilização do plural com o número zero (zero graus, zero pontos, às zero horas, etc.), como aliás surge exemplificado no verbete zero do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências (Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa / Editorial Verbo, 2001) ou da edição portuguesa do Dicionário Houaiss (Lisboa, Círculo de Leitores, 2002). No Brasil, tal uso é mais raro, sendo geralmente considerado agramatical e preterido em favor do singular (ex.: zero grau, zero ponto, à zero hora, etc.), como aliás é aconselhado no Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo (3ª ed., S. Paulo, O Estado de S. Paulo, 1997 p. 313), de Eduardo Martins, e exemplificado no verbete zero do Dicionário Houaiss (Rio de Janeiro, Objetiva, 2001). Assim sendo, na norma portuguesa, a leitura mais consensual de 0,25 mol parece ser zero vírgula vinte e cinco moles e a de 1,2 l um vírgula dois litros, enquanto na norma brasileira parece ser zero vírgula vinte e cinco mol e um vírgula dois litro, respectivamente.

A título de curiosidade, é de referir ainda que a concordância do número zero com o nome contável que se lhe segue não é consensual também em outras línguas românicas. Em francês, por exemplo, recomenda-se o uso do nome do singular (ex: zéro franc), conforme se pode ver consultando o verbete zéro no dicionário online Le Trésor de la Langue Française informatisé. Em espanhol recomenda-se o uso do nome no plural (ex: cero puntos), conforme se pode ver consultando o verbete cero do Diccionario de la lengua española, da Real Academia Espanhola, ou a Gramática Descriptiva de la Lengua Española, (Madrid, Real Academia Española/Espasa, 1999, vol. 1, p. 1201).

Bibliografia: Guilherme de ALMEIDA, Sistema Internacional de Unidades (SI) - Grandezas e Unidades Físicas - Terminologia, símbolos e recomendações, Plátano Ed., 3.ª ed., Lisboa: 2002.

Sites a consultar: Bureau International des Poids et Mesures

Cláudia Pinto, 20/06/2007

Notas:

  1. As respostas são datadas e escritas segundo a ortografia da norma europeia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
  2. A base do dicionário foi alterada a 1 de Abril de 2009, pelo que as referências em dúvidas anteriores a esta data podem não corresponder ao conteúdo actual. As respostas sobre questões ortográficas são maioritariamente baseadas na norma ortográfica portuguesa de 1945, contendo as respostas mais recentes indicações sobre a ortografia antes e depois do Acordo Ortográfico de 1990.
  3. A bibliografia utilizada está disponível aqui.