plural com alteração do timbre da vogal tónica
[Fonética e Fonologia]
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Gostaria de saber se existe alguma regra de fonética para o plural de palavras tais como: fogo, poço, jogo...
É que eu fui ensinado a pronunciar:
fógos, póços, jógos...
ao invés de fôgos, pôços, jôgos... (os acentos estão só como indicadores de fonética).
É que recentemente tenho ouvido alguns jornalistas pronunciar estas palavras com entoação "ô"...?
Agradecia que me esclarecessem esta dúvida. Luís Simões |
Não existe oficialmente nenhuma regra fonética em português que dê conta da alternância vocálica entre o singular e o plural de palavras como fogo, poço, jogo, contorno, despojo, esforço, imposto, ovo, tijolo, troço, etc. Por essa razão, é natural que alguns falantes possam hesitar na pronúncia do plural destes termos.
As gramáticas e os prontuários incluem estas palavras em listas de vocábulos cuja vogal tónica, no singular, é o o fechado /ô/ mas que no plural se transforma em o aberto /ó/, fenómeno tradicionalmente designado por metafonia. Há, no entanto, muitos casos semelhantes em que o singular e o plural mantêm o mesmo o fechado, como por exemplo acordo(s) /ô/, gosto(s) /ô/ ou sopro(s) /ô/ (cf. Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, p. 184). Essas listas nem sempre são consensuais, havendo mesmo divergências entre gramáticos e até entre a norma culta de Portugal e a do Brasil (por exemplo, o plural de almoço lê-se almóços em Portugal mas almôços no Brasil).
Na sua Moderna Gramática Portuguesa (p. 124), Evanildo Bechara afirma que se tem recorrido à etimologia latina desses termos e ao paralelismo com a língua espanhola para desfazer hesitações de pronúncia, mas que tal não esclarece todas as dúvidas. Acresce que esse tipo de informação é opaca para a maioria dos falantes, pelo que a variação resulta de factores de evolução da língua mas também de uso, de analogia e até de hipercorrecção (Gramática do Português, organizada por Eduardo Paiva Raposo, p. 3302).
No artigo "Histórias de O", o linguista Ernesto d'Andrade faz a revisão de vários estudos desta alternância em português e fornece uma análise mais técnica, com base fonológica, deste fenómeno.
O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa contém indicações de pronúncia, tanto no singular, quanto no plural dessas palavras. |
Bibliografia: Ernesto d'ANDRADE, "Histórias de O" in Temas de Fonologia, Lisboa: Edições Colibri, 1992, pp. 47-76.
Evanildo BECHARA, Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª ed. revista e ampliada, Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002, pp. 123-124.
Celso CUNHA e Lindley CINTRA, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa: Edições Sá da Costa, 1998, pp. 183-184.
Edite ESTRELA et alii, Dicionário de Dúvidas, Dificuldades e Subtilezas da Língua Portuguesa, 1.ª ed., Lisboa: Publicações D. Quixote, 2010, p. 18.
Maria Helena Mira MATEUS et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa: Editorial Caminho, 2003, p. 1020.
Eduardo Paiva RAPOSO et alii, (orgs.), Gramática do Português, 1.ª ed., 3 vol., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, pp. 3301-3302.
Paul TEYSSIER, Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil), Coimbra: Coimbra Editora, 1989, pp. 82-84. |
Cláudia Pinto, 26/05/2022 |