FLiP – Ferramentas para a Língua Portuguesa

Dúvidas linguísticas

banco: polissemia ou homonímia?
[Relações lexicais]

Gostaria de saber se "banco" no sentido de "assento" e "banco" com o sentido de "instituição financeira" configura um caso de polissemia ou homonímia.
T. A. , Portugal

Regra geral, a polissemia é entendida como o fenómeno em que uma unidade lexical (isto é, a mesma palavra) apresenta vários significados de alguma forma relacionáveis entre si, como nos seguintes exemplos: perdi o meu chapéu; o jogador fez um chapéu ao guarda-redes. Por seu lado, a homonímia é entendida como o fenómeno em que duas ou mais unidades lexicais (isto é, palavras diferentes), com origens diversas e com significados não relacionados, evoluíram para uma mesma forma fonológica e ortográfica, como nos exemplos: o marinheiro não resistiu ao canto da sereia; ainda falta aspirar aquele canto da sala; eu canto mal. O problema está em conseguir perceber quando é que se trata de sentidos de uma mesma palavra e quando é que se trata de palavras diferentes.

Na lexicografia tradicional, os dicionários tratam estes casos de ambiguidade lexical de forma diferente. Os casos de polissemia são registados numa só entrada (ex.: chapéu), com recurso à numeração de sentidos ou acepções, dando assim conta da relativa proximidade dos vários significados da unidade lexical. No caso da homonímia, os dicionários optam por entradas separadas e geralmente numeradas (ex.: canto1 e canto2), para dar conta do facto de que se está perante palavras diferentes, que se lêem e escrevem da mesma maneira, mas que provêm de étimos distintos e que divergem quanto ao seu significado. O critério da relação de significado e o critério etimológico são assim os principais critérios aplicados tradicionalmente na resolução desta problemática, mas ambos apresentam falhas.

No caso do critério da relação de significado, o principal problema advém do facto de ser essencialmente uma questão de grau e, em muitos casos, uma questão subjectiva. Com efeito, as ligações metafóricas, metonímicas ou figurativas que um falante estabelece entre os significados de uma ou mais unidades lexicais nem sempre são partilhadas por outros falantes. Por outras palavras, o critério da relação de significado reflecte sobretudo intuições dos falantes e elas podem até ser divergentes, daí que aquilo que alguns falantes consideram termos polissémicos, outros podem considerar termos homónimos.

No caso do critério etimológico, tanto a polissemia como a homonímia são geralmente consideradas em determinado estado da língua (visão sincrónica), mas, consoante se recue e se estude mais a história da língua (visão diacrónica), assim é possível que a informação etimológica disponível varie, o que pode fazer variar o tratamento de alguns destes casos em obras lexicográficas, por exemplo. É exactamente isso que parece acontecer no caso específico de banco.

Na generalidade dos dicionários de língua portuguesa, banco é tratado como um caso de polissemia, com apenas uma entrada que enumera todos os significados. A excepção parece ser o dicionário brasileiro Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, que apresenta duas entradas numeradas, com étimos e agrupamentos de significados diferentes. Nesse sentido argumenta igualmente Margarita Correia que se debruça sobre a distinção entre homonímia e polissemia e sobre o seu tratamento em gramáticas pedagógicas no artigo "Homonímia e Polissemia: Contributos para a Delimitação dos Conceitos". Ao analisar o caso específico de banco em alguns dicionários de língua portuguesa, a autora conclui:

"[...], poderá pôr-se a hipótese de que existam dois étimos para banco, um dando conta das acepções do primeiro grupo (provavelmente o germânico banki) e outro que dê conta do segundo grupo de acepções (as que dizem respeito à instituição bancária, provavelmente o italiano banca). Quanto à acepção relativa à dependência hospitalar, provavelmente apenas um manual de história da Medicina em Portugal nos poderá esclarecer sobre a sua origem."

Curiosamente, em italiano, língua que Margarita Correia e o Dicionário Aurélio apontam como origem provável do português banco (= instituição bancária), o termo banca é descrito como tendo origem germânica, a mesma do termo banco, que é tratado como caso de polissemia (no dicionário online Treccani) ou como caso de homonímia (no dicionário online Garzanti Linguistica, onde se afirma que banco2 [= instituição bancária] provém de banco1 [= móvel]). A opção do dicionário Treccani poderá validar o tratamento de banco como caso de polissemia na generalidade da lexicografia portuguesa (mas também em catalão ou em espanhol) enquanto a opção do dicionário Garzanti Linguistica poderá validar o tratamento de banco como caso de homonímia.

A resolução deste tipo de incertezas etimológicas poderia passar, como aponta Margarita Correia, pela consulta de um dicionário histórico, que ordena cronologicamente as acepções e regista a evolução morfossintáctica e semântica das palavras. O problema é a inexistência de tal obra para a língua portuguesa e a raridade e a pouca acessibilidade de recursos de investigação etimológica para o português, pelo que resta a consulta de dicionários etimológicos, que dão conta do étimo e de utilizações atestadas das palavras.

Esta problematização pode ser ainda mais complexa se juntarmos uma abordagem funcional diferente da lexicografia tradicional, como no tratamento computacional de uma forma como banco. Por exemplo, um analisador morfológico como o do Dicionário Priberam permite, a partir de uma forma, identificar o lema da palavra, mas não utilizará qualquer informação etimológica ou semântica e poderá afirmar que "A forma banco pode ser [nome masculino] ou [primeira pessoa singular do presente do indicativo de bancar]." Para este analisador, todas as ocorrências de banco serão apenas um nome ou uma forma verbal, tal como faz com canto, ainda que o Dicionário Priberam tenha duas entradas para o nome canto. Se houver necessidade de desambiguar semanticamente a forma banco ou canto, o sistema computacional vai analisar casos de polissemia, negligenciando se se trata de palavras homónimas ou não, pois isso não será pertinente nesse caso.

Bibliografia:
Margarita CORREIA, “Homonímia e Polissemia: Contributos para a Delimitação dos Conceitos”, Revista Palavras, n.º 19, Lisboa: Associação de Professores de Português, 2001, pp. 57-75. [disponível em https://area.dge.mec.pt/gramatica/homonimia e polissemia.pdf; consultado em 10-08-2023]

Ver também: polissemia e homonímia

Cláudia Pinto, 10/08/2023

Notas

  1. As respostas são datadas e escritas segundo a ortografia da norma europeia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
  2. A base do dicionário foi alterada a 1 de Abril de 2009, pelo que as referências em dúvidas anteriores a esta data podem não corresponder ao conteúdo actual.
  3. As respostas sobre questões ortográficas são maioritariamente baseadas na norma ortográfica portuguesa de 1945, contendo as respostas mais recentes indicações sobre a ortografia antes e depois do Acordo Ortográfico de 1990.
  4. A bibliografia utilizada está disponível aqui.