Os clíticos são pronomes pessoais átonos, isto é, pronomes pessoais de uma só sílaba (como o, a, me,
nos, se, etc.), que não têm acentuação própria e por isso dependem do acento da palavra que está imediatamente antes ou depois (normalmente um verbo). Quando o clítico depende da palavra que está antes, trata-se do fenómeno da
ênclise (ex.: Ofereceste-me um livro e fiquei feliz), e, quando o clítico depende da palavra que está depois, trata-se do fenómeno da próclise (ex.: Se me ofereceres um livro, ficarei feliz).
No português de Portugal, se não houver algo que atraia o clítico para outra posição, a ênclise é a posição padrão, isto é, o clítico surge depois do verbo (ex.: Ele ofereceu-me um livro). Esta é, aliás, uma das diferenças em relação ao português do Brasil, onde a próclise é mais frequente, isto é, a posição do clítico antes do verbo (ex.: Ele me
ofereceu um livro).
Há, no entanto, um conjunto de situações em que o clítico é atraído para antes do verbo (próclise), sendo que, em algumas destas situações, a próclise é mesmo considerada obrigatória. Os contextos que atraem os clíticos para antes do verbo podem sistematizar-se da seguinte forma:
a) Partículas de negação. ex.: Nunca me avisaram.
Não lhe foram dizer. Nada lhes falta.
Nem nos falou.
b) Pronomes ou advérbios interrogativos. ex.: Quem te
avisou? Não soube o que lhe perguntar.
c) Pronomes ou advérbios exclamativos ou palavras exclamativas. ex.: Que
trapalhada nos aconteceu! Bonito sarilho me
arranjaste!
d) Pronomes ou advérbios relativos. ex.: Consultou o médico que lhe
indicaram. Lembra-se bem do lugar onde os encontrou.
e) Conjunções subordinativas completivas. ex.: Acho que o
ofendi. Perguntaram se a tinha visto. Foi isso que eu
te disse antes.
f) Conjunções ou locuções conjuncionais subordinativas que introduzem orações adverbiais (causais,
comparativas, concessivas, condicionais, consecutivas, finais, temporais). ex.: Perdeu o início do filme porque se atrasou. Como
lhe disse anteriormente, estou convencido da veracidade dos
factos. Ainda que vos custe, têm de partir. Se me
ofereceres um livro, ficarei feliz. Abanou tanto o ramo que o
partiu. Trabalhou muito para que o conseguisse. Quando a
viu, sorriu.
g) Advérbios ou locuções adverbiais como ainda, já, oxalá, sempre, só, talvez,
também.
Ex. Ainda ontem as vi. Já o
conheço bem. Oxalá se mantenha assim. Sempre o
conheci atrevido. Só lhes entreguei o documento hoje. Talvez
te lembres mais tarde. Se ainda estiverem à venda, também os
quero comprar.
h) Quantificadores e pronomes ou determinantes indefinidos como algo, alguém,
ambos, pouco, qualquer, todo, tudo.
Ex. Naquela história algo a
intrigava. Alguém os tinha tramado. Ambos me
disseram o mesmo. Poucos lhe tinham agradecido. Qualquer
pessoa o conhece. Não sabiam o que acontecera, mas todos a
criticaram. Tudo as incomoda.
i) Preposições (excepto a preposição a) ou locuções preposicionais. Ex. Criticou o filme antes de
o ver. Comprei a saia para
a usares. Não há nenhum mal em
te manifestares.
j) Gerúndios regidos da preposição em (actualmente com pouco uso). Ex.
Em lhe falando, tudo será mais fácil.
Esta explicitação pode parecer estranha e difícil de compreender, mas os
falantes têm implícitos e interiorizados muitos destes contextos de próclise. A
prova é que, se houver utilização de ênclise (clítico depois do verbo) na
maioria dos exemplos acima, o falante estranhará e provavelmente vai
considerá-los agramaticais ou pelo menos duvidosos: *Nunca
avisaram-me. *Nada falta-lhes. *Quem
avisou-te? *Que trapalhada aconteceu-nos!
*Consultou o médico que indicaram-lhe. *Acho
que ofendi-o.
A questão dos clíticos é complexa e não se limita à esquematização apresentada;
a essa complexidade ainda se podem juntar questões de estilo e de eufonia (isto
é, aquilo que é mais agradável ao ouvido), que são subjectivas e dificilmente
limitadas por regras ou excepções. Apenas como exemplo, na frase Na face
lhes batia o sol ardente (em vez da ordem canónica O sol
ardente batia-lhes na face), não parece haver outro motivo
para a próclise a não ser a inversão estilística da ordem normal
sujeito-verbo-complemento.
Em conclusão, as frases que nos enviou enquadram-se no contexto referido na
alínea f), pois trata-se de uma oração subordinada condicional,
introduzida pela conjunção se. Por este motivo, estará correcta a frase
Se me ofereceres um livro, ficarei feliz.
O corrector sintáctico do FLiP assinala muitos destes contextos de atracção dos
clíticos, como poderá verificar no FLiP On-line (www.flip.pt/online),
com a frase em questão na sua dúvida. |
Bibliografia: Evanildo BECHARA, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002, pp. 587-591.
Celso CUNHA, Lindley CINTRA, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 14.ª ed., Lisboa: Edições Sá da Costa, 1998, pp. 310-318.
Maria Helena
Mira MATEUS et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa: Caminho,
2003, pp. 826-867.
Paul TEYSSIER, Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil), Coimbra: Coimbra Editora, 1989, pp.114-126. |